quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Sob pressão, operação urbana vai a voto em SP

05/08/2013 - Valor Econômico

Com o fim do recesso, a Câmara Municipal de São Paulo estabeleceu como prioridade para os próximos dias votar o projeto que reformula a Operação Urbana Água Branca, que pretende reestruturar a região da Barra Funda, na zona oeste da cidade, com 20 mil novas moradias, investimentos em drenagem e habitação social que movimentarão R$ 2 bilhões.

O projeto será o primeiro grande desafio do prefeito Fernando Haddad (PT) no planejamento urbano da capital - e um teste para a votação do Plano Diretor, que vai entrar em discussão ainda neste semestre. A mais forte oposição vem do mercado imobiliário, setor que financiou a campanha da maioria dos vereadores e deu pelo menos R$ 3,2 milhões para Haddad na eleição de 2012.

Como a maioria dos recursos declarados pela campanha do petista foi registrada de forma oculta, é impossível precisar o valor exato das doações. Mas entre as que aparecem na prestação de contas estão grandes incorporadoras imobiliárias, como Brookfield, Tecnisa, Gafisa, Multiplan, WTorre, e grupos que também atuam na área, como a OAS.

O embate ocorre em uma das áreas mais visadas pelo mercado imobiliário neste momento por suas características e potencial de transformação. Fica próxima ao centro, com farta oferta de empregos - sete para cada morador - e de transporte público, com estações de metrô, trens e corredores de ônibus. Tem ainda espaços amplos, ocupados apenas por galpões de empresas que já saíram da região ou que estão em processo de desocupação, tudo isso a um custo menor que o de bairros mais nobres.
A atual operação, lançada em 1995, já teve consumido todo o estoque de potencial construtivo para as unidades residenciais e 34% das não-residenciais. Com a revisão do plano será liberada a construção de mais 1,8 milhão de metros quadrados por meio de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac), papéis que são trocados pela permissão de construir a mais.

Para o setor imobiliário, a prefeitura corre risco de prejudicar a reformulação da operação urbana ao criar "amarras excessivas" aos negócios. A principal reclamação é que não haveria demanda para a "tipologia incentivada" - apartamentos de até 45 metros quadrados e com apenas uma vaga de garagem para os quais será destinado metade do potencial construtivo residencial.

O objetivo da administração municipal é construir até 10 mil unidades da tipologia incentivada. Essa restrição a apartamentos maiores é uma inovação nas operações urbanas da cidade e visa evitar o encarecimento excessivo dos imóveis e consequente expulsão dos moradores de menor poder aquisitivo, como ocorreu com as operações Água Espraiada e Faria Lima, na zona sul da cidade.

O padrão dos imóveis "incentivados" é muito diferente dos lançados hoje na região. Segundo o Geoimóvel, consultoria que acompanha os lançamentos imobiliários da cidade, o valor médio dos apartamentos novos da região em 2012 foi de R$ 1,7 milhão, com metragem média de 192 m2, muito superior a que a prefeitura pretende estabelecer como novo padrão.

"A intenção é tentar criar um incentivo para que se produza apartamentos para a população de menor renda, mas isso não vai acontecer porque o custo da terra é muito alto. Vamos ter um tipo de produto que o mercado chama de estúdio, voltado para o jovem solteiro ou recém-casado de classe média alta", afirma Eduardo Della Manna, diretor de legislação urbana do Sindicato das Empresas de Habitação (Secovi).

Outra restrição é a de que os prédios comerciais construídos depois de sancionado o projeto de lei, que já foi aprovado em primeira votação, sejam erguidos apenas as margens das grandes vias, sem adensar no bairro, para aproveitar a oferta de transporte público e reduzir os congestionamentos.

O Secovi também se arma contra outra regra da operação urbana: que os novos prédios tenham seu pavimento térreo aberto para a rua, com uma loja ou serviço, a chamada "cerca-viva". Para o setor, não há demanda para isso em todos os novos prédios. "Concordamos que é um conceito interessante, mas não há demanda para tudo. Em Curitiba e Brasília adotaram legislações similares, e nas duas cidades esses espaços ficaram ociosos. Ao invés de criar vida na região, criaram clima de abandono", diz Della Manna.

Ex-líder da gestão Kassab na Câmara, o vereador José Police Neto (PSD) defende as novas regras. "Ninguém está querendo acabar com o lucro do mercado imobiliário, mas os empresários também têm que aprender a ganhar dinheiro inovando, buscando novas alternativas urbanísticas para melhorar os bairros", afirma. O projeto foi desenhado na gestão Kassab e encaminhado à Câmara em dezembro.

Um dos defensores de cidades mais "compactas", o empresário Alexandre Frankel, dono da Vitacon, diz que as pessoas estão dispostas a morar num espaço menor pela comodidade de estar perto do trabalho, estudos e lazer. Para ele, porém, a região alvo da operação urbana ainda é escolhido pelas pessoas que querem unidades maiores por um preço menor. "Não é a Berrini, Paulista ou Vila Olímpia, onde as pessoas abrem mão de espaço para morar perto", diz, dando como exemplos bairros nobres da capital.

Algumas construtoras já estão se antecipando à proposta da operação urbana e fazendo unidades mistas, com diferentes tamanhos e com prédios comerciais junto com condomínios residenciais. É o caso da Odebrecht Realizações Imobiliárias. O preço, porém, fica muito distante da realidade de pessoas com menor renda: as menores unidades do LED Barra Funda, com 47 m2 de área privativa e uma vaga de garagem, foram todas vendidas no dia do lançamento por R$ 379 mil. Hoje já estão avaliadas em mais de R$ 400 mil.

Para Marco Siqueira, diretor de investimentos e operações da empresa, cabe à prefeitura arbitrar as regras que julgar mais adequadas e o mercado vai demonstrar se isso funciona ou não. "Existe uma clara necessidade de equilíbrio maior entre a produção de produtos de alta renda e comerciais, e também produtos mais voltados à classe média. Se isso vai dar certo, não sabemos, mas vale a pena tentar", diz.

A revisão da operação urbana ainda coloca em posições opostas moradores da região e movimentos de moradia, que disputam para decidir o destino dos R$ 2 bilhões que vão entrar no caixa da prefeitura. O projeto de lei prevê uso de parte do dinheiro arrecadado com Cepacs para urbanização de favelas fora do perímetro da operação urbana.

O texto original determina que 15% dos recursos sejam usados para construção de unidades de habitação social e urbanização de favelas no perímetro expandido da operação, do outro lado da Marginal Tietê. A gestão Haddad pretende aumentar o percentual para algo em torno de 25% ou 30%, diz o vereador Nabil Bonduki (PT), professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

O gasto com moradia, porém, opõe a prefeitura a grupos de moradores que querem o dinheiro investido em obras de drenagem e equipamentos públicos para a região. "Tem R$ 300 milhões parados no caixa da operação urbana sem que a prefeitura faça nada. Quando aprovar essa lei, o dinheiro vai para a nova operação, pra fazer casa popular do outro lado do rio", reclama a advogada Maria Antonietta Lima e Silva, 76 anos.

Ela é presidente da Associação Amigos da Vila Pompeia, que fundou há 30 anos para lutar por obras de drenagem que acabem com as enchentes que afetam a região todos os anos. "Agradar ao povo da periferia que vota no PT é objetivo do governo, não nosso. Queremos a canalização dos córregos", protesta Maria Antonietta.

Bonduki defende que o dinheiro já arrecadado fique separado em uma conta especial e não se misture ao da nova operação, mas argumenta que é preciso investir na construção de habitação de interesse social para levar a população carente para perto dos empregos. "O ideal é usar o dinheiro para aquisição de terrenos, e depois buscar recursos de outras fontes de financiamento, como o Minha Casa Minha Vida, para a construção", diz.

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