terça-feira, 25 de agosto de 2015

Com aluguel mais caro e desemprego, favelas ressurgem em São Paulo

25/08/2015 - Folha de SP

O pedreiro João Batista, 45, está desempregado desde dezembro. Jailson de Lima, 46, até consegue obras, mas não tem dinheiro para pagar o aluguel, que subiu. Cristiane dos Santos, 27, viveu em um albergue, depois desistiu. No último ano, o endereço dos três virou o mesmo: favela.

Essas três pessoas, de lugares diferentes de São Paulo, engrossaram no último ano a massa de milhares de moradores dessas comunidades na capital paulista.

Nas últimas semanas, a Folha visitou cinco favelas. Uma delas, no Cangaíba (zona leste), ressurgiu em junho do ano passado, após quatro anos. Hoje, tem 2.000 famílias.

Na Radial Leste, uma foi reerguida após ação policial e outra aumentou de tamanho.

Uma quarta, em Guaianases (zona leste), nasceu há um ano num terreno da prefeitura destinado à habitação social. Outra cresceu dentro de um conjunto habitacional no Jaguaré (zona oeste).

Não há dados oficiais que indiquem que o número de favelas em São Paulo diminuiu ou aumentou nos últimos cinco anos. O último levantamento é do IBGE e mostra que, em 2010, existiam 1.643 comunidades em SP.

Sem dados atualizados, urbanistas, militantes e pessoas que atuam na área de habitação social são unânimes: cresceu o número de moradores nessas condições na cidade. São vários os motivos, em uma cidade com um deficit de 230 mil moradias.

"A única política habitacional que existe hoje é o Minha Casa, Minha Vida. Mas você é despejado hoje e entra na fila. Só vai conseguir uma vaga daqui cinco ou dez anos. Nesse tempo, vai para onde? Para uma ocupação", diz a urbanista Raquel Rolnik, colunista da Folha.

"E já há os primeiros sinais da crise econômica. Há mais desemprego e diminuição da renda. Para quem vive no limite, qualquer coisa faz diferença", completa Rolnik.

Já Juliana Avanci, 33, advogada do Centro Gaspar Garcia –entidade de direitos humanos que trabalha com moradores de rua–, diz que a crise ainda não é sentida. "Temos verificado um aumento de ocupações, sim. Mas a crise ainda não fez efeito", diz.

Para ela, o que leva gente às favelas é a dificuldade de acesso a políticas habitacionais para os de baixa renda.

"Outra coisa é o ritmo lento de construção de moradias da Cohab e da CDHU [empresas da prefeitura e governo de SP, respectivamente]."

Movimentos de moradia, como o MTST (sem-teto), têm dito que o grande aumento do preço dos aluguéis nos últimos anos contribuiu para o crescimento das ocupações.

Desde 2008, o preço do aluguel na capital teve um crescimento acumulado de 98%, segundo a tabela Fipe. A inflação no mesmo período foi de 54% (IGP-M). Nos meses de maio e junho de 2015, porém, os valores do aluguel caíram.

"As favelas estão crescendo, e cada vez mais para cima, com casas de dois, três andares. São insalubres, com problemas de ventilação e iluminação", diz Alex Abiko, professor de gestão habitacional da Poli-USP. Para ele, o poder público erra ao não atualizar informações sobre as favelas.

"Como fazer política pública se você não sabe onde essas comunidades estão, como as pessoas estão vivendo?"

Refavela

Em pouco mais de um ano, barracos ressurgem em duas áreas que haviam sido desocupadas pela polícia na zona leste de São Paulo

Por quatro anos ela esteve morta. Caiu em 2010, depois de uma reintegração de posse que terminou em confronto. A polícia jogou bombas; os moradores, pedras. Queimada, ela deixou de existir. Não para sempre: a favela da Tiquatira (zona leste de São Paulo) renasceu das cinzas.

O terreno ficou vazio até junho de 2014. Surgiram então alguns barracos de lona. Depois, de madeira. Depois, casas de alvenaria. Hoje, são 2.500 famílias vivendo em uma das favelas que surgiram na capital no último ano.

"Chamamos de comunidade Penha-Brasil. E o Brasil no nome é para mostrar que esse é o país que deram para nós", diz o pedreiro Jailson Lima, 46, apontando para o amontoado de barracos.

Jailson nunca morou em favela. No começo deste ano, desempregado, passou de trem e viu a comunidade crescendo. "Pensei: não consigo pagar o aluguel. Vou montar o meu barraco".

Chamou a irmã, Maria Lúcia da Silva, 47, que chegou com os filhos, marido e neto. Um dos filhos montou outra casinha ao lado. E assim foi.

Além das casas, no terreno, que só tinha mato, agora há mercadinhos, lan house e uma igreja da Assembleia de Deus. Tudo em um ano.

A área de 47 mil m², a poucos metros da marginal Tietê, pertence à CDHU, companhia do governo do Estado. Ali, por muitos anos existiu uma favela.

Em 2010, a Polícia Militar retomou a posse, a pedido da Justiça. O projeto era transformar a área em condomínio popular da CDHU. Em quatro anos, com o terreno vazio, nenhuma parede foi construída.

A Justiça determinou neste ano nova reintegração, que só deve ocorrer em 2016. Os moradores estão tensos com essa possibilidade.

O costureiro boliviano Fabian Alvares, 47, pagava R$ 600 de aluguel para viver em outra favela. Teve de sair em uma reintegração. Foi para Tiquatira há cinco meses. "Era o que tinha, aqui não pago aluguel. Mas, se tiver de sair, não sei o que fazer", diz.

FAVELA DO CIMENTO

A 8 km da favela da Tiquatira, outra nova favela renasceu, entre as pistas da Radial Leste, a poucos metros do viaduto Bresser, na Mooca.

De dia, os moradores formam fila para carregar sacos de cimento. De tarde, atravessam a rua para carregar pedaços de tábua. Com elas, erguem seus próprios barracos.

São cerca de 50 famílias. Homens, mulheres, crianças e idosos ali, onde há menos de um mês só havia grama. A Radial fica de um lado. Um entreposto comercial de cimento, do outro.

A ocupação, que ressurge mesmo após ter sido retirada pela polícia, tem nome: Favela do Cimento.

É resultado do encontro de duas populações diferentes, mas em igual situação: os trabalhadores informais do entreposto que erguem pequenas barracas de lona na calçada e os moradores de rua que gravitam em torno de um centro da prefeitura –prestes a ser desativado.

Grávida de sete meses e sem emprego, Sílvia Andressa Guedes, 31, foi parar no Cimento após passar quase um ano em albergues.

Até o começo de 2014, conseguia pagar os R$ 800 de aluguel na casa de três cômodos, em Interlagos, na zona sul. Demitida e sem família por perto, buscou a rua. Ao procurar um novo emprego, descobriu outro problema.

"Que empresa aceita um albergue como comprovante de endereço?", diz. "Nenhuma, ninguém quer um morador de rua, de albergue, do que for, como empregado."

Para viver na favela, ela e outros moradores têm que seguir uma série de regras.

Brigar é terminantemente proibido, mexer com a mulher do outro é senha para ser expulso. Também é vetado o desrespeito a homossexuais.

"Se brigar, a gente vai chamar pro 'resumo' [conversa]. Se não se entenderem, vão vazar", explica Talmos da Conceição Silva, 41, um dos líderes do local.

OUTRO LADO

A CDHU, companhia de habitação do Estado de São Paulo, afirmou que no terreno da favela da Tiquatira (zona leste), que ressurgiu no último ano, está prevista a construção de 704 apartamentos populares.

As unidades serão destinadas a famílias que foram removidas na reintegração de posse de 2010, segundo a empresa do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

O órgão afirma que tentou negociar a saída voluntária dos moradores, mas eles se recusaram a deixar o local.

Diz ainda que, em 2012, devido a projetos de expansão da rede de transporte sobre trilhos, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metrolitanos) e o Metrô solicitaram parte da área para implantação da Estação Tiquatira, da linha 2-verde, levando a CDHU à revisão do projeto do conjunto habitacional.

Sobre a favela do Cimento, entre as pistas da Radial Leste, a Prefeitura de São Paulo afirmou que trabalha para implantar no local um centro de referência no atendimento a moradores de rua, o chamado Centro Pop.

A abertura do espaço depende de uma obra que será finalizada nos próximos meses, diz a prefeitura.

A administração afirma ainda que agentes de assistência social abordam moradores de rua na região para encaminhá-los a albergues.

O prefeito Fernando Haddad (PT) prometeu viabilizar 55 mil moradias sociais na cidade. Até agora, 4.994 foram entregues (9%).

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