domingo, 15 de novembro de 2015

Prédio em SP terá miniapartamento de apenas 14 m²

14/11/2015 - O Estado de SP

EDISON VEIGA

Tamanho equivale ao espaço interno de duas Kombis e já há fila de interessados; metragem vem caindo na cidade nos últimos 10 anos

Foto: Hélvio Romero/ Estadão
Foto: Hélvio Romero/ Estadão

“Seu apartamento pelo preço de um carro: o menor e mais inteligente apartamento do Brasil”. É com essa premissa marqueteira que a incorporadora e construtora Vitacon prepara o lançamento de um edifício, no Bom Retiro, que terá unidades de 14 metros quadrados – oficialmente, o preço e a data de lançamento ainda não foram divulgados, mas corretores ouvidos pela reportagem cravam em valores a partir de R$ 89 mil e no início das vendas na próxima terça (17). Se o preço é de um carro, a área interna equivale ao espaço de duas Kombis. (Na foto acima, maquete do empreendimento.)

É uma tendência. Levantamento obtido pelo Estado mostra que, nos últimos dez anos, o número de unidades lançadas em São Paulo com menos de 40 metros quadrados saltou de 960 para impressionantes 7.810 – de 2005 a 2014. Até setembro deste ano, com crise e tudo, já são 3.170 lançamentos do tipo na cidade. Os dados são da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).

“Isto aconteceu porque os imóveis se tornaram muito caros em São Paulo. Assim, as unidades menores surgiram como soluções não proibitivas”, analisa Fernando Pompéia, diretor de Planejamento e Pesquisa da Embraesp. “E o mercado imobiliário vive de ciclos. Se uma empresa lançou apartamento muito pequeno e fez sucesso, outras vão atrás.”

O cenário é confirmado por outro estudo da Embraesp, que detalha como a metragem quadrada dos novos apartamentos da cidade está despencando. Um apartamento de um quarto lançado em 2009 tinha, em média, 55,69 metros quadrados. Neste ano, a média caiu para 34,37 metros quadrados. Considerando a totalidade de unidades lançadas na cidade, de todos os tamanhos e padrões, a média era 79,7 metros quadrados em 2009 e, agora, está em 58,04 metros quadrados.

No discurso da Vitacon, o formato compacto é uma “resposta contra a crise”. “A gente se especializou neste segmento”, admite o CEO da empresa, Alexandre Lafer Frankel – a média de tamanho dos apartamentos dos 40 empreendimentos já entregues para construtora é de 28 metros quadrados. “Vivemos um momento de mudança social, em que as pessoas têm menos necessidade de espaço. Nossas unidades representam menor custo e um ganho em sustentabilidade e praticidade.”

Em 2013, a mesma Vitacon lançou um empreendimento, na Vila Olímpia, com unidades a partir de 19 metros quadrados. O prédio deve ser entregue no ano que vem. Seguindo a mesma onda, em 2014, foi a vez da Setin anunciar um prédio, no centro, com apartamentos a partir de 18 metros quadrados – há 45 dias o decorado do estande de vendas foi desmontado e as obras, iniciadas, com previsão de entrega em 2017. Já o empreendimento do Bom Retiro, em que 14 das 269 unidades terão os tais 14 metros quadrados, deve ficar pronto em 2018. (Abaixo, ilustração do interior do miniapartamento, conforme divulgação comercial da empresa.)

“Reduzir de 19 para 14 metros quadrados foi um salto gigantesco”, comenta Frankel. “Mas não acho que chegamos ao limite. O limite é a necessidade das pessoas. No Japão, já há apartamentos de 6 metros quadrados.”

Imagem: Reprodução

Visões. “Do ponto de vista da necessidade humana, não há sentido em moradias tão pequenas. O desejo do público é morar numa casa cada vez maior”, afirma o arquiteto Henrique de Carvalho, do ateliê Tanta. “O que a construtora faz é tornar o apartamento cada vez mais viável em espaços menores.”

“Em apartamento muito pequeno, é preciso inteligência para planejar o espaço interno”, avalia Carvalho. “É claro que é possível, dentro dessa metragem, buscar o melhor resultado para quem vai viver ali – muitas vezes adotando soluções não convencionais.”

“Eu não conseguiria viver num apartamento pequeno assim. Mas deve ser o jeito de solucionar o problema de quem precisa morar perto do emprego, por conta da dificuldade de locomoção, e não tem como arcar com os altos custos da região”, comenta o arquiteto e urbanista Lucio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Um apartamento desse tamanho obriga que toda a vida social seja feita externamente. É uma mudança de comportamento.”

“Com a renda da população estável ou diminuindo, a alternativa das pessoas é morar em espaços cada vez menores. Os juros exorbitantes do país também não ajudam em nada, já que encarecem e dificultam muito os financiamentos, aumentando o custo das unidades”, analisa o arquiteto Fernando Forte, do escritório FGMF Arquitetos.

“Se há um lado ruim nesse fenômeno, há talvez um lado bom, que a conscientização das pessoas com relação aos espaços públicos da cidade”, complementa o arquiteto Rodrigo Marcondes Ferraz, também do FGMF. “Se antes cada um só se preocupava com o interior de sua própria casa, agora morando em miniapartamentos as pessoas precisam usar mais espaços da cidade, o que demanda uma qualidade nos espaços públicos.”

Análises à parte, a resposta do mercado é o melhor estímulo para as construtoras seguirem apostando nos pequenos espaços. Antes mesmo do lançamento, as 14 unidades de 14 metros quadrados do Bom Retiro já têm, conforme o Estado apurou com corretores, uma fila de espera de mais de 30 interessados. “Vai lançar e esgotar em duas horas”, afirmou um deles.

Foto: Marcio Fernandes/ Estadão

Foto: Marcio Fernandes/ Estadão